quinta-feira, 28 de maio de 2009

Distribuição de Iphone de graça no japão

Vejam a notícia:
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Universidade japonesa usa iPhone para checar frequência

Qui, 28 Mai - 09h41
Por Chris Meyer
SAGAMIHARA, Japão (Reuters) -
Uma universidade japonesa está distribuindo iPhones para estudantes de graça, mas com uma condição: o aparelho será usado para monitorar a frequência dos alunos.
O projeto, que está sendo testado antes do lançamento oficial em junho, envolve 550 alunos do primeiro e segundo anos e alguns funcionários de um departamento da Aoyama Gakuin University, na cidade de Sagamihara. A instituição de ensino pretende com os iPhones criar uma rede de informação móvel entre estudantes e professores, mas também utilizá-los para checar o comparecimento às aulas. Assim que os alunos entrarem na sala de aula, em vez de escreverem o nome em uma folha, eles simplesmente digitam um número de identificação e um número de classe específico em uma aplicação criada para o iPhone. Para evitar que os estudantes façam isso em casa ou fora da sala de aula, o aplicativo utiliza dados de localização por satélite e verifica por qual roteador o aluno fez o registro no aparelho. "Nós não queremos usar isso simplesmente para checar a frequência. Nossa esperança é utilizar isso para desenvolver uma sala de aula onde estudantes e professores possam discutir vários tópicos", disse o professor Yasuhiro Iijima à Reuters.
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Agora a pergunta: Há uma tendências das coisas passarem a controlar nossas relações mais simples, ou não? Surpreende a afirmação do professor Yasuhiro... De que maneira alunos passarão a discutir vários tópicos com professores, se a distância física entre professores e alunos é mediada por aparelhos eletrônicos? O fato remete a aproximação ou afastamento?
A questão nos leva adiante, será que, de fato, o que está em jogo é mais uma necessidade de disseminar aparelhos ou fazer com que estes circulem em maior quantidade do que a mudança nas formas de comunicação entre professores e alunos?

As vezes as coisas nos pregam peças...



Desculpem... mas foi irresistível!

sábado, 23 de maio de 2009

Depressão na Sociedade do vazio



Entrevista Maria Rita Kehl

“A depressão cresce a nível epidêmico”

Em entrevista exclusiva para Caros Amigos, a psicanalista fala de seu novo livro, analisa as conseqüências do ritmo frenético da vida contemporânea e aponta a depressão como sintoma social de uma sociedade que cria o “sujeito esvaziado” Maria Rita Kehl conta a sua experiência como Jornalista, nos anos 70 e 80 e, mais recentemente, como psicanalista de homens e mulheres que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,na Escola Nacional Florestan Fernandes.

Ana Maria Straube: E sua tese de televisão já tinha alguma coisa a ver com psicanálise?

Nada, nada. Claro que se você faz psicologia, lê algumas coisas, você tem um pouco de abertura para entender com objetividade. A minha tese era “O papel da Rede Globo e das novelas da Globo em domesticar o Brasil durante a ditadura militar”. Pegava desde a primeira novela, foi de 73, as novelas das 8, desde Irmãos Coragem até na época, que era Dancing Days, mostrando como se criou um retrato, uma imagem do Brasil para si mesmo. A brincadeira na época era assim: a única coisa que os militares conseguiram modernizar durante 20 anos de ditadura foi a imagem televisiva que o Brasil apresentava para o próprio Brasil, que é o que o Brasil acreditou. E a minha tese era mais ou menos isso.

Confira outros trechos da entrevista

Consumo e trabalho na crise da sociedade contemporânea - Luciane Lucas


Estive ontem, 22/05, no espaço cultural CPFL para ver a fala da professora Luciane Lucas da UERJ sobre Consumo. Me surpreendi positivamente, afinal, a pesquisadora está concentrada nos estudos da "sociologia do consumo" e "antropologia do consumo", dialogando com muitos autores e leituras que tenho realizado.
Para ela: Consumo é ação no mundo. Ação que define quem age. Que faz existir em sociedade. Que informa quem é. Porque os pertencimentos e discriminações passaram a depender de uma certa prática de consumo. Consumir para ser e ser aceito. Mas esse mesmo consumo, de herói, indicativo de uma vida melhor para todos, tornou-se vilão. Bode expiatório de uma crise de causas complexas. Tema para mais de uma conversa. Objeto da nossa. Nome do módulo: Entendendo a crise atual como o esgotamento de um modo de viver: A exigência de um novo estilo de vida.

Vale a pena conferir o programa "Café Filosófico" exibido aos domingos pelo canal Cultura.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Filmes e documentários - Criança, a alma do negócio

Por que meu filho sempre me pede um brinquedo novo? Por que minha filha quer mais uma boneca se ela já tem uma caixa cheia de bonecas? Por que meu filho acha que precisa de mais um tênis? Por que eu comprei maquiagem para minha filha se ela só tem cinco anos? Por que meu filho sofre tanto se ele não tem o último modelo de um celular? Por que eu não consigo dizer não? Ele pede, eu compro e mesmo assim meu filho sempre quer mai. De onde vem este desejo constante de consumo?

Este documentário reflete sobre estas questões e mostra como no Brasil a criança se tornou a alma do negócio para a publicidade. A indústria descobriu que é mais fácil convencer uma criança do que umn adulto, então, as crianças são bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo e que falama diretamente com elas. O resultado disso é devastador: crianças que, aos cinco anos, já vão à escola totalmente maquiadas e deixaram de brincar de correr por causa de seus saltos altos; que sabem as marcas de todos os celulares mas não sabem o que é uma minhoca; que reconhecem as marcas de todos os salgadinhos mas não sabem os nomes de frutas e legumas. Num jogo desigual e desumano, os anunciantes ficam com o lucro enquanto as crianças arcam com o prejuízo de sua infância encurtada. Contundente, ousado e real este documentário escancara a perplexidade deste cenário, convidando você a refletir sobre seu papel dentro dele e sobre o futuro da infância.

Direção Estela Renner
Produção Executiva Marcos Nisti
Maria Farinha Produções
Acesse este filme

terça-feira, 12 de maio de 2009

Dia das mães ou dia dos bens?

Pois é... nessas datas fica muito difícil não pensar no consumo. Neste caso, um consumo bem específico que deve marcar a demonstração pública de afeto que temos por nossas mães. No Brasil, especialmente, o lugar que a mãe ocupa nas relações sociais é uma posição muito privilegiada, talvez a mais de todas elas dentre as relações de parentesco. Nestas datas comemorativas, especialmente criadas por um calendário mercadológico que visa aquecer os negócios e as compras em meses considerados de "baixa" muitas questões ecoam. Quais as possibilidades de demonstração de afeto que podem ser colocadas em prática para além das que ocorrem via os bens? É possível pensar nestas datas comemorativas (criadas institucionalmente) como datas em que, de fato, nos expressamos sentimentalmente com relação à valores sociais? Porque nossas formas de demonstração de afeto e carinho se ligam tão intensamente aos bens, ou a representações que provém deles?

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Antropologia do capitalismo

Entrevista Agência Fapesp

Agência FAPESP - Independentemente de qualquer tipo de juízo de valor, é inegável, no caso da sociedade brasileira, que a lógica capitalista está instalada no cotidiano das relações urbanas. Para o Grupo de Culturas Empresariais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderado pelo antropólogo Guilhermo Ruben, trata-se de um fenômeno que merece ser olhado com maior intensidade e com todos os conceitos e teorias antropológicas, inclusive algumas das consideradas clássicas.

"É importante que esses fenômenos sejam estudados. É uma forma de se fazer uma espécie da antropologia do capitalismo brasileiro", disse Ruben à Agência FAPESP. O grupo do qual está à frente, hoje com 15 pessoas, está voltado para o assunto desde a década de 1980, tendo produzido, desde então, dezenas de publicações e teses científicas.

Segundo o pesquisador, argentino naturalizado brasileiro, as pesquisas antropológicas, na primeira fase de trabalhos do grupo, estiveram mais focadas nas culturas empresariais propriamente ditas. Foram feitos estudos sobre as relações antropológicas existentes em companhias como Odebrecht, Banco do Brasil, Banespa Santander e algumas outras que nem podem ter os nomes citados, uma vez que os pesquisadores identificaram situações delicadas como assédio sexual.

"Nosso grupo foi pioneiro nesses estudos do ponto de vista antropológico. Quando começamos, outros estudavam essas relações, mas do ponto de vista da administração. Mas não queremos ser os únicos a pesquisar esses temas. É muito importante que outros grupos também façam isso", disse Ruben.

Segundo Pedro Jaime, pesquisador do Grupo de Culturas Empresariais da Unicamp e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, depois de toda a experiência adquirida nos últimos 20 anos, é possível entender bem como as relações antropológicas estão estabelecidas nas empresas brasileiras.

"Não podemos classificar uma cultura empresarial brasileira única. Mas muitas matrizes culturais do brasileiro estão bastante presentes nas empresas. Existem fluxos importantes dessas dimensões culturais, que podem até determinar o fracasso e o sucesso dos negócios de determinado grupo", disse Jaime.

Um dos problemas culturais que podem ocorrer, segundo o pesquisador, é o caso da fusão de uma corporação internacional com outra genuinamente verde e amarela. "Muitas vezes, a questão da cultura – entendida pelo senso comum e não do ponto de vista científico – vira um instrumento de poder, o que é maléfico. Demissões são feitas com a justificativa de que o grupo anterior não se adaptou à nova ‘filosofia’ trazida de fora", disse.

Ao estudar mais a fundo as relações sociais das corporações, os antropólogos passam até a ter condições de interferir de forma mais criteriosa sobre determinada realidade empresarial, segundo Ruben. "Muitas vezes, tem-se a idéia de que é como apertar um parafuso. Basta pegar uma chave de fenda e o problema estará resolvido. Mas não é esse o caso. A interferência tem que ser feita de outra forma, sempre com muito diálogo", explica o professor da Unicamp.


Luxo dos excluídos

Ruben e seu grupo estão convencidos de que os antropólogos precisam, cada vez mais, olhar para os núcleos centrais da sociedade, principalmente as urbanas. Se as grandes corporações fazem parte dessa visão moderna, o mesmo ocorre, na ótica do grupo, com o comportamento das pessoas em relação ao luxo.

"O conceito de luxo hoje está muito confuso. Esse universo não está mais presente apenas no ambiente ‘Daslu’. Isso é apenas um tipo. O consumo do luxo existe hoje até mesmo na favela", explica Valéria Brandini, pesquisadora do Grupo de Culturas Empresariais. Envolvida com vários projetos antropológicos do mundo da moda, ela hoje faz pós-doutorado na Unicamp relacionado ao tema do luxo.

A proposta, segundo Valéria, é fazer uma imersão em algumas grifes consumidas na cidade de São Paulo e também nos grupos de compradores, para depois tentar entender como o conceito do luxo está relacionado com as diversas vertentes sociais. "Essas relações, no caso das sociedades urbanas, são elementos centrais. A antropologia oferece muitas formas de estudo desses objetos", disse a pesquisadora.

"Há algum tempo, fui contratada por uma grife de roupas de surfe dos Estados Unidos, ligada ao universo hard core. Como eles queriam lançar uma coleção inspirada nos vodus [tradição religiosa africana associada de forma errônea a bonecas de vodu ou a práticas de magia negra], tive que fazer uma grande pesquisa sobre o assunto. A justificativa deles é que o público que compra a marca é muito exigente, então as roupas precisavam transmitir uma idéia legítima daquele universo", conta Valéria.

Ao trazer assuntos da periferia para o centro da antropologia, o grupo de pesquisa da Unicamp pretende entender como se processa uma grande gama de práticas sociais. "Ao lado do luxo, vários outros exemplos podem ser citados sobre essa presença da lógica capitalista e empresarial", explica Ruben.

"Estudamos também, por exemplo, cooperativas do Nordeste e bancos populares. Até mesmo comunidades indígenas e quilombolas querem se inserir no mundo capitalista. Para isso, elas têm que estabelecer as mesmas relações existentes nas empresas", afirma Ruben.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O Mundo dos Bens 20 anos depois



Retirado de Horizontes Antropológicos, edição especial Antropologia e Consumo. O Mundo dos bens revisitado por Mary Douglas...vinte anos depois.

Foi uma verdadeira surpresa quando, recentemente, meus editores de Londres decidiram republicar O Mundo dos Bens (Douglas; Isherwood, 1979). Até onde eu sabia, o livro estava completamente morto, submerso sem deixar vestígios.

Embora eu tenha estudado para o livro e o escrito (com a ajuda de Baron Isherwood) com um espírito de animação, eu estava enormemente nervosa quando ele foi lançado e, logo em seguida, cheia de desgosto – como eu podia ter perpetrado algo tão obsoleto? Eu estava em Nova Iorque naquela época, e Richard Sennett, o diretor do Instituto de Humanidades, fez o que podia para que eu tivesse um pouco de discussão. Ele organizou dois seminários para mim, um com o instituto, e o outro com economistas da New York University que estavam inteiramente confusos e só queriam saber como o livro os ajudaria a medir o comportamento econômico. Ele também conseguiu com que eu falasse em particular sobre o livro com um membro do instituto, o falecido Vassily Leontiev, ganhador do Prêmio Nobel. Esse foi todo o debate que tive, e os resenhadores, que eu lembro, ficaram (como eu já previa) confusos, entediados ou hostis.

Antropologia econômica

O tema central do livro é que pobreza não pode ser definida pela ausência de riqueza. O livro tentava fazer uma aliança entre a antropologia e a ciência econômica, sugerindo uma definição de rede social de pobreza. O ponto de vista do antropólogo é de que as coisas cuja posse significa riqueza não são necessárias por elas mesmas, mas pelas relações sociais que elas sustentam. A pobreza é culturalmente definida, não por um inventário de objetos, mas por um padrão de exclusões, geralmente bastante sistemáticas.

No final nos anos 1970, quando o livro foi planejado, eu já estava fazendo antropologia há 30 anos e havia contribuído com a antropologia econômica através de meu próprio trabalho de campo no Congo Belga. No final dos anos 1940, quando eu era estudante, "antropologia econômica" era um interesse focal. Ele forneceu um modelo unitário da sociedade reproduzindo a si mesma num grande ciclo de doações recíprocas. De certa forma, o ensaio de Mauss parecia ir lado a lado com A Riqueza das Nações, de Adam Smith, e de O Capital, de Karl Marx, já que também apresenta uma visão total da economia e da sociedade interagindo. Mas o Ensaio Sobre a Dádiva (publicado em 1923) se destaca: por um lado, ele é sobre o que eram então chamadas "economias primitivas", ou seja, economias sem dinheiro, e por outro, ele contrasta explicitamente as economias sem dinheiro, onde a dádiva é o principal método de distribuição, com economias monetarizadas, que são o território da ciência econômica. Mauss aceita o hiato entre a antropologia e a economia, não tenta construir uma ponte entre ambas, e, ao contrário, tende a idealizar o caso primitivo. Conseqüentemente seu grande livro não parecia ter qualquer relevância para a economia moderna.

Nas décadas que seguiram, muito mudou na ciência econômica e há mais lugar para contabilizar o ensaio de Mauss entre as outras teorias econômicas que relacionam as energias que produzem os bens com as energias que demandam os bens. Não é um exagero vê-lo como uma contribuição às velhas discussões sobre a lei de Say. Say encarava a vida econômica como um processo circular e respondia aos temores de que a produção excessiva nunca seria absorvida por compradores, argumentando que o processo de produção em si gerava uma entrada de dinheiro extra que seria gasta no produto, de forma que o suprimento produz sua própria demanda. Mauss, por sua vez, está demonstrando o processo menos contra-intuitivo pelo qual a demanda produz seu próprio suprimento. Em outras palavras, os processos que economistas separam para propósitos de análise, Mauss trata como um sistema unitário interativo. "São 'todos', sistemas sociais inteiros cujo funcionamento tentamos descrever. Nós estamos preocupados com 'inteiros', com sistemas na sua totalidade. [...] pesquisa dos fenômenos sociais 'totais'." (Mauss, 1969, p. 77-78).1

Evans-Pritchard (1969, p. vii), em sua introdução à primeira tradução para o inglês, afirmou:

"Total" é a palavra-chave do Ensaio. As trocas de sociedades arcaicas que ele examina são movimentos ou atividades sociais totais. Elas são ao mesmo tempo fenômenos econômicos, jurídicos, morais, estéticos, religiosos, mitológicos e sócio-morfológicos.

Mauss mostra como as grandes correntes de dádiva ligam todos na comunidade num ciclo de trocas de longo prazo. As dádivas mantêm um padrão particular de relações sociais e o padrão de relações gera os padrões de trabalho que produzem os materiais para as dádivas. Em economias não-monetárias a quantificação era difícil, outro motivo para a idéia ser estranha à prática da ciência econômica.

Sob qualquer ângulo, tanto se o foco é na demanda, criando o suprimento, quanto no suprimento, criando sua própria demanda, o rabo da cobra está firmemente dentro da boca da cobra, como Piero Sraffa (1972) afirma. Talvez esta seja uma coisa curiosa a se querer fazer, mas se o circuito da economia foi artificialmente quebrado a favor de se calcular o suprimento e a demanda, é bom juntá-las novamente em algum momento. Naqueles dias, quem fazia trabalho de campo em antropologia sempre buscava relacionar o padrão total de demanda aos padrões de produção dentro de um esquema sociológico. Eu considero isso ainda o ideal para a antropologia econômica. Mas nós tínhamos, em primeiro lugar, que tratar dos problemas conforme eles surgiam, e no final os antropólogos foram vencidos naquele objetivo pelos economistas.

Os primeiros passos foram Economics of the New Zealand Maori (1959), de Raymond Firth, seguindo por A Primitive Polynesian Economy (1939), que demonstraram que a análise econômica formal poderia ser aplicada a uma economia não-monetarizada.

Isso foi importante e necessário. Audrey Richards, em Land Labour and Diet in Northern Rhodesia (1939), analisou os efeitos, numa sociedade de vilas, da migração do trabalho para o cinturão do cobre, os efeitos nos padrões de casamento e um foco nas dificuldades das mulheres vivendo em vilas semidesertas. Evans-Pritchard, em Os Nuer (1940), foi quem chegou mais perto de realizar o programa de Mauss ao mostrar como trocas de gado e trocas de mulheres formavam um só sistema recíproco. Moses Finley (1973) fez uma análise da troca de dádivas dos laços entre chefes e súditos na Grécia antiga.

Esses foram nossos professores. Essa foi a base da minha própria pesquisa de campo no (então) Congo Belga. Eu estava especialmente interessada em transações intergeracionais (Douglas, 1963). As novas fileiras de pesquisadores de campo africanos reportaram os tristes efeitos da monetarização e a condição dos migrantes trabalhadores.2 Através da influência de Franz Steiner, os escritos de Bohannon (1955) sobre a economia Tiv foram bem sucedidos em mostrar a circulação de mulheres, escravos e preciosidades num esquema bem coerente com produção doméstica, casamento e hierarquia militar. Quase na mesma época um modelo de comunicação da circulação de mulheres e bens foi a espinha dorsal da teoria elementar do parentesco, de Lévi-Strauss (1949). Entretanto, Lévi-Strauss negligenciou o lado econômico da equação – e não foi o único antropólogo a fazer tal coisa – e por várias outras razões a visão totalizante de Mauss foi logo perdida.

Uma razão para o declínio na antropologia econômica era seu pensamento evolucionário implícito. A dádiva veio primeiro, cedo, e era elementar, primitiva; o dinheiro veio depois, com a civilização, mas do ponto de vista anterior o dinheiro significava ruína, ele dissolveu os laços primordiais de parentes e vizinhos e deteriorou a base moral da comunidade. A tese forneceu uma plataforma fácil para uma antropologia marxista da exploração colonial, que era necessária e prestes a chegar, mas inevitavelmente quebrou o paradigma estabelecido por Mauss e cortou a tentativa de tornar aplicáveis as categorias econômicas. O debate que se seguiu entre os antropólogos dividiu-se a serviço de diferentes pautas.

A primeira grande mudança foi uma forte controvérsia em relação a se a análise econômica era, de alguma forma, possível de ser usada em economias não-monetárias. Raymond Firth liderava os chamados "formalistas", que acreditavam que o caminho para o maior entendimento era através da aplicação e desenvolvimento dos conceitos formais da ciência econômica. Dalton (ver, por exemplo, Economic Anthropology and Development, 1971) liderava os chamados "substantivistas", que acreditavam que a maior parte da substância da vida econômica estava caindo pelas rachaduras da teoria econômica formal. Eu mesma concordava com tal crítica, mas estava otimista em relação a enfrentá-la, estendendo o conceito de ciência econômica. Os formalistas lutavam na retaguarda em favor da disciplina intelectual e os substantivistas favoreciam a descrição sem disciplina. Enquanto isso, no centro de todo calor e fúria, a antropologia econômica ainda permanecia não-sistematizada e, embora a disputa fosse violenta, ela foi se tornando bastante escolástica e remota. Assim, muitos trabalhos excelentes sobre comportamento econômico estavam sendo publicados por antropólogos, suplicando por uma síntese. Mas os jovens economistas de hoje não estão cientes das coisas boas que foram feitas e estão ocupados reinventando a roda.

E assim aconteceu que, por uma divisão implícita de trabalho, os economistas estudavam economias de mercado e os antropólogos estudavam economias de dádiva. Embora ambos aceitassem que a linha poderia não ser claramente traçada, eles não esperavam mais ter que falar uns com os outros. Esse era o pano de fundo frustrante de O Mundo dos Bens. Mas a principal razão para a estagnação da antropologia econômica foi que construir uma ponte entre a ciência econômica e a cultura era uma tarefa muito mais difícil do que parecia num primeiro momento.

A idéia de pessoa

Eu tinha a ilusão de que se nós estudássemos macroeconomia estaríamos nos aproximando do modelo totalizante de sociedade de Mauss. Assim, tirei um ano para estudar a teoria de consumo, que parecia ser relevante para a doação de dádivas e que naquele momento era uma preocupação teórica importante. No início, eu desconfiava que a falta de diálogo era nosso erro enquanto antropólogos: talvez nós tivéssemos uma idéia muito reduzida do que a ciência econômica podia fazer. A teoria da dádiva não poderia ser aplicada à economia moderna sem, antes, mudar uma noção fundamental. A idéia corrente era de que a "demanda do consumidor" é uma demanda por bens a serem consumidos pelo comprador. Simbolizado pela cestinha de compras, o consumidor deveria estar escolhendo coisas, objetos, para seu uso privado ou familiar. Na verdade, o oposto é verdade. O consumidor é inerentemente um animal social, o consumidor não quer objetos para ele mesmo, mas para dividir, dar, e não só dentro da família.

O maquinário da teorização e medição econômica foi criado para a idéia de que o consumo é uma atividade de indivíduos. A teoria está presa nessa noção. Nos anos seguintes, continuei procurando maneiras de afirmar isso (Douglas, 1996). Eu ainda continuo tentando atacar a idéia enganosa de pessoa humana (Douglas; Ney, 1998). Recentemente, para um estudo sobre clima global, tive que pesquisar a atual filosofia do bem-estar, as teorias de necessidades básicas, necessidades humanas, qualidade de vida, e os resultados de pesquisas baseadas nelas (Rayner; Malone, 1998). Todas essas teorias assumem uma teoria de necessidades, começando pelas físicas; primeiro a necessidade de viver, de ter comida e água, abrigo, etc., e então a necessidade de companhia e satisfação social e espiritual. O pensamento é tão fracamente teorizado na sua própria área que tem que iniciar com biologia. É absurdo. A teoria deveria começar com seres inteligentes que tem o suficiente para viver e mesmo assim conseguem matar de fome alguns de seus iguais. Pobreza é uma questão de como as pessoas tratam umas às outras, e isso precisa de um enquadramento sociológico. Parece haver um tipo de incapacidade profissional. Muito é dito sobre comunicação, mas sempre sobre indivíduos comunicando: uma inabilidade de contemplar a cultura como um processo dinâmico feito por indivíduos interagindo. Uma psicologia que concebe de forma totalmente errada a natureza da pessoa é parte do fardo com o qual a teoria do consumo tem tido que lidar.

Minha idéia central é de que a ciência econômica deveria levar em consideração a função comunicativa dos bens como básica (Douglas, 1987). Isso necessitaria de algumas afirmações fortes. Ou se esquece a biologia, ou ela é usada de forma inteligente. Se uma pessoa nasce como um ser comunicativo, e nasce dependente dos outros, nós certamente devemos assumir que algum poder comunicativo inerente é parte do equipamento nativo. Eu aplaudo o departamento psiquiátrico da Universidade de Edinburgo, Colwyn Trevarthen, e colegas escandinavos, que adotam noções biológicas evolucionárias: a criança nasce dependente de outros humanos; ela tem a vontade de controlar o seu ambiente, e assim é fortemente interessada em controlar os humanos à sua volta. Ela é dotada da experiência de seu próprio corpo e, assim, da sua experiência de lateralidade ela entende transações de dois lados, como bater palmas, e de sua posição de pé numa dimensão vertical ela entende balanço e simetria. Assim, há um interesse primordial na reciprocidade. Nessa abordagem teórica, as necessidades sociais vêm ao mesmo tempo ou antes do conforto físico, porque elas são as maneiras de conseguir comida, etc. É impressionante ainda no dia e época de hoje ler psicologia do desenvolvimento que ensina que as habilidades sociais vêm posteriormente no desenvolvimento infantil. Ao invés de uma tabela de necessidades básicas que começa com as físicas e termina com as sociais e simbólicas, o oposto funcionaria melhor.

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