segunda-feira, 29 de março de 2010

A agência de casas e objetos de decoração em uma pequena etnografia virtual

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A reflexão que proponho aqui parte de dupla origem: a primeira diz respeito a uma pequenina etnografia virtual que realizei em um site de relacionamento[1] e a segunda foi a leitura da obra Home Possessions de Daniel Miller, publicada no ano de 2001.

Se a principal verdade antropológica do trabalho realizado acerca da cultura material de casas (ou lares) na década de 60 e 70 era baseada em análises estruturais e simbólicas - como é o caso do belo ensaio de Bourdieu sobre a casa kabyle -, nas décadas de 80 e 90 surgem novas possibilidades de estudos, especialmente aqueles vindos de contextos interdisciplinares, os quais enfatizam a casa enquanto um lugar de exposição de práticas e hábitos de consumo, mais especificamente com foco na ênfase doméstica dos lares. A casa torna-se o lócus para a atividade do “faça-você-mesmo”, onde pessoas transformam o interior de suas casas em um modo de auto-expressão.

A casa passou a ser vista, a partir dos anos 80, menos como um local reservado e íntimo e mais como uma forma quase inconsciente de construção e reprodução de um certo habitus[2]. A partir disso, os estudos que primavam por compreender as novas formas de agência de mulheres em seus lares – especialmente recorrendo a um viés de gênero - demonstraram que a casa tornou-se um modo fundamental de auto-expressão, um meio através do qual as pessoas constroem a si próprias e expõem suas ideologias.

Com o progressivo interesse da antropologia pelo que havia “atrás de portas fechadas”, o modelo da semiótica da casa foi utilizado para colocar em relevo as contradições e as complexidades dos substantivos resultados de estudos inspirados nessa abordagem, demonstrando que havia inúmeros problemas de contradição e dissonância entre as pessoas e suas casas.

Em adição, é necessário considerar como as pessoas enxergam suas vidas enquanto formada a partir da influência que a casa exerce, e também, em seu papel enquanto reprodutora de um legado histórico e pessoal. Se a casa é entendida como algo que reflete, em larga medida, nossas trajetórias históricas e biográficas, então, qualquer ocupante da casa deve ser entendido como um agente modificador dessa história, inclusive, a própria casa pode ser entendida enquanto um agente de mudança.

Há momentos em que objetivamos nossa sensação de que as coisas dispostas na casa possuem, elas próprias, capacidade de agência. Essa ação de projeção antropomorfiza nosso senso de que a casa pode ser um lugar que desenvolve mais “personalidade” que seus próprios ocupantes.

A partir dessa reflexão gostaria de sugerir o olhar para imagens retiradas de dois perfis de um site de relacionamento (www.flickr.com). De modo paradoxal, as imagens das casas retratadas dialogam entre si, denotando a força com que os objetos, neste caso, em sua maioria produzidos pelas próprias mulheres, habitam – e não apenas decoram – as casas fotografadas.

A intensidade com que a casa e seus objetos reforçam a identidade de suas ocupantes, nos auxiliam a pensar, por meio destas imagens, de que maneira a disposição e os elementos contidos em nossa casa expressam, de maneira intensa, as características que nos constituem socialmente.

No primeiro caso, as imagens que convido a conhecer são da casa de Jasna Janekovic (acesse), alemã de origem croata, cujas fotografias já ilustraram diferentes sites de decoração e revistas do gênero. No segundo, sugiro imagens da portuguesa Constança, mais conhecida como Concha (acesse ou http://saidosdaconcha.blogspot.com/).

Quando fazemos a disposição de elementos, objetos, artefatos ou móveis em uma casa, temos o dever constante de buscar manter os padrões decorativos ou a disposição dos objetos em um esquema pré-estabelecidos pela “ordem da casa”. Frequentemente, desenvolvemos uma espécie de negociação compromissada entre aquilo que é expresso pela casa e aquilo que nós queremos expressar por intermédio dela. Assim como nós ocupamos a casa, a casa nos ocupa, e é através desse processo que exercemos domínio um sobre o outro.

A casa, funcionando como um museu de quem a habita, ilustra a história através da cultura material, ela permite refletir o seu próprio legado enquanto um repositório de objetificações materiais, pessoais e familiares.

A cultura material da casa tem servido enquanto uma possibilidade de compreensão de nossa própria cultura e usada como um modo de transcender a vida através do legado de seus objetos.



[1] O site que me refiro é www.flickr.com

[2] Refiro-me a noção de habitus formulada por Bourdieu, (1989): “o habitus é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital, o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural de um agente em ação”.

2 comentários:

  1. Magda querida!
    Que bom que atualizou o blog!
    Fazia tempo hein!
    Saudade! Bjão!
    Lobão

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  2. Quando a dissertação anda, tudo anda, me sinto viva novamente...hahahaha. Saudades de você!

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