sábado, 22 de junho de 2013

Uma reflexão sobre o fascismo difuso nas manifestações

Sei que todos vocês têm acompanhado a profusão de acontecimentos que envolvem as recentes manifestações no país e, como consequência, o sem-número de opiniões que delas derivam. Ainda na efervescência do momento gostaria de compartilhar o relato de um amigo antropólogo. Este relato exprime bem a sensação (e o temor) que tem atingido boa parte de meus colegas e da qual, seguramente, compartilho.

Boas Reflexões!




O ODOR DA FUMAÇA                                                      
                                               Danilo Paiva Ramos                                                                    
         
O fogo queima as bandeiras vermelhas nas ruas. A fumaça cheira a gás lacrimogênio. A Avenida Paulista transforma-se numa imensa câmara de gás. Nas últimas semanas, os cassetetes e balas de borracha, manejados há anos por Alckimins contra professores, estudantes, indígenas, torcedores, gays, trabalhadores sem-terra, sem-teto, sindicalistas, transformaram-se em paus e facas, armas empunhadas por “civis de coturno”, “neo-camisas pretas” que investem contra qualquer pessoa que levante uma bandeira ou expresse sua militância política organizada de esquerda. Essa tropa de choque inflama o grito O povo acordou da multidão. Reforça o coro do hino nacional e saúda todos aqueles que estiverem enrolados em bandeiras do Brasil ou com a cara pintada de verde e amarelo. Não é um mero acaso que atos contra Alckmin/ Haddad e sua tarifa exorbitante, sua violenta repressão às manifestações populares tenham se tornado passeatas contra uma corrupção genérica. Uma passeata daqueles que disseram ter dormido por décadas. Em seu sono profundo, talvez nunca tenham ouvido sobre os milhares que estão a lutar e a sofrer espancamentos, torturas, humilhações, assassinatos, e que buscam o fim da PM, do coronelismo, do totalitarismo, do racismo, da discriminação, da super-exploração, que geram, dentre outros problemas, a corrupção e a impunidade.     
            “Brasil, Ame-o ou deixe-o” era a frase escrita no cartaz de uma jovem numa das passeatas. Na década de 1970, essa mesma frase do governo de Emílio Médici (1969/1974) era repetida por crianças e jovens que reproduziam o slogan da propaganda da ditadura militar. “Anti-partidário”, como muitos que estavam nas ruas essa semana, o regime totalitário exilou, assassinou, censurou, torturou, violentou milhares de pessoas que combatiam o fascismo estatal, organizando-se em partidos clandestinos, movimentos sociais, culturais e guerrilhas. Outras frases que li em cartazes: “Meu partido é o Brasil” e “Nenhum partido me representa” não deixam de fazer ressoar as palavras de ordem militares, expressando tanto a insatisfação com relação a um sistema político-partidário corrompido e que beneficia apenas as elites econômicas, quanto o desejo do neo-liberalismo (Globo, Folha, PSDB, PT), do coronelismo agro-exportador (PMDB, DEM, PPS, Bancada Ruralista, O Estado de SP) e do conservadorismo religioso (PR, PMDB, PT, PSDB, Bancada Evangélica, Record) de oprimir as minorias e silenciar quaisquer partidos, organizações ou movimentos de esquerda que as representem.     
         Em 2011, fui espancado pela Polícia Militar de Alckmin (PSDB) por usar uma camisa do Corinthians na Av. Paulista. Há duas semanas, quando vi dezenas de batalhões da PM e do Choque reprimindo os jovens manifestantes do Movimento Passe Livre na Av. Paulista, arremessei as garrafas que tinha à mão contra os cinturões armados. Comecei a caminhar nas manifestações como militante do PSOL e como antropólogo, como alguém que luta contra Belo Monte, contra o assassinato de lideranças indígenas, contra o Latifúndio, contra o Agro-Negócio, contra a péssima assistência à saúde indígena que mata centenas de crianças todos os anos. Fomos expulsos das ruas com paus e facas, com bombas e cassetetes, com câmeras e microfones. Quando o apartidarismo assume os contornos de um anti-partidarismo de direita é preciso estar mais acordado do que nunca, noite e dia, tomar partido e desenrolar todas as bandeiras possíveis contra o fascismo.